segunda-feira, 10 de maio de 2010

Condição ou opção?

Por Fernanda Nucci

Alguns dizem que os moradores em situação de rua transformam o cenário de nossas cidades, MENTIRA. A grande maioria nem os notam. Quando os notam é tão rápido - o tempo de tirar um trocado do bolso ou do console do carro para se livrar logo do inconveniente. A verdade é que em Jundiaí há muitas pessoas nessa situação. Para constatar você pode visitar a Praça da Bandeira, o coreto da igreja da Vila Arens, ali próximo ao mercadão, na nossa famosa “Ponte Torta”, a Ponte São João (bem no Russi), entre outros cantos da cidade. É claro que há fluxo de “mendigos” (nem sempre pessoas em situação de rua) nos semáforos das regiões centrais e mais elitizadas, 9 de julho, Pirapora, V. Arens etc.

Esse incômodo que você sente, Ka, é raro, esse impulso de transformar é mais raro ainda. Bom, a parte educativa do texto: Primeiro, existem pessoas em situação de rua e em risco de rua (se algum trabalho fosse feito com essa pessoa que se encontra em risco de rua, logo não se contextualizaria a segunda condição). Segundo, muitas pessoas estão na rua por opção (dá pra acreditar? Mas é a mais pura verdade, pode parecer cruel o que irei dizer, mas é a verdade mais pura e sincera, é cômodo para muitaaaa gente continuar na rua, principalmente pessoas que estão viciadas no álcool e em outras drogas, e mesmo a família dando todo o apoio, aporte necessário, essa pessoa não quer se tratar.

A rua pode parecer um cenário cruel e é, muitas vezes, mas também existe dentro de cenário, organização, cuidado mútuo, liberdade e uma série de outras facilidades, como projetos que sustentam essas pessoas e situações todos os dias da semana. Segunda é sopa, terça é marmitex, quarta é pão e leite, quinta é sopa, sexta é marmitex. Em muitos casos, se você parar pra conversar com uma pessoa em situação de rua e convidá-la para ir até o SOS tomar um banho, dormir em uma cama, vai ouvir um NÃO categórico. Experiência que eu já vivi. A justificativa: lá eu não posso fumar, não posso beber, tenho que tomar banho para dormir, eu prefiro ficar aqui mesmo. Outra situação, uma experiência quando era voluntária no operários da verdade, às sextas-feiras no trabalho com moradores em situação de rua. Chegávamos com o pão e o leite, que era só uma ponte para o trabalho real que, pra mim, era identificar a causa dessa situação, saber se a pessoa tinha sua documentação ok, se estava disposta a mudar de situação e contatar a família. Eu ouvia o seguinte, “eu tô bem aqui, ninguém enche meu saco, não tenho que aturar minha mãe, padrasto, pai, irmã “ (qualquer parente que fosse), isso quando os encontrávamos na cidade, porque muitos deles depois que comem e se alimentam recolhem-se em pontes, terrenos, casas abandonadas para dormir, e às vezes o trabalho de outro grupo cruzava o nosso trabalho, quando passávamos por volta das 21:00 22:00 horas, quase todos já haviam se alimentado e partido, apenas ficavam os que tinham perdido o “grupo de apoio” anterior . Nós éramos chamados de amarelinho!

Como tratar essa situação com medidas transformadoras? Sinceramente, só que pode dar o caminho é o morador que está em situação de rua, e acredite: muitos deles não vão querer mudar. Além do vício a auto-punição é também um motivo que os leva para a rua. Se fizerem uma pesquisa irão constatar que muitos moradores têm passagem pela policia, que cumpriram suas penas e nunca mais procuraram a família, (por motivos dos mais diversos). Você vai encontrar pessoas que estão tão magoadas com traições, violências de padrastos, pais familiares em geral, que preferem morrer de fome, frio a perdoar essas violências. Você irá encontrar pessoas que gostam das facilidades, que se acomodaram, vai surgir cada história, eu mesma já conheci pessoas doutoradas em situação de rua por opção.

Nem todos são coitadinhos, alguns são aposentados, recebem suas aposentadorias, guardam seus documentos em postos de gasolinas, com pessoas amigas e mesmo assim moram na rua. É um problema pra você, é um problema pra mim, mas nem sempre é um problema para a pessoa que se encontra nessa situação.Eu acho que deveríamos mudar alguns padrões de ações, ao invés de SOS, deveríamos criar “Casas da Cidadania”, com intervenções mais psicossociais e menos assistencialistas, terapias ocupacionais que gerem renda, trabalhos que resgatem e fortaleçam a dignidade humana, mas de nada adiantaria se esse trabalho não fosse desenvolvido em rede, NA, AA e outros grupos que dão apoio. Isso não é um trabalha para um ou outro, é um trabalho para todos.

Grande abraço,
Fer.

Fernanda Nucci é educadora e seguidora do blog.

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